13 de dezembro de 2011

Gustavo Franco: "É mesquinho fazer politicagem com o empréstimo ao FMI”

Em entrevista exclusiva, ex-presidente do Banco Central diz que País não deve pedir contrapartida ao Fundo e defende o Plano Real.

Ex-presidente do Banco Central (1997-1999) e sócio fundador da Rio Bravo investimentos, Gustavo Franco acaba de lançar o livro “Dinheiro e Magia” (ed. Zahar), no qual assina o prefácio e o posfácio da obra de Hans Christoph Binswager. O alemão analisa a segunda parte do livro “Fausto”, de Goethe, que traz considerações econômicas.

Além de transitar pela literatura, o economista, que raras vezes dá entrevistas, falou com exclusividade ao iG. Na conversa, compara os derivativos que geraram a crise norte-americana de 2008 a um “pacto com o demônio”, critica a política econômica do atual governo e defende o Plano Real como poucos tucanos fazem - mesmo em época de eleição. “O Plano Real deu certo e os anteriores deram errado. É simples, é ganhar ou perder”, afirma ele, que integrou a equipe econômica que criou o Plano Real.

E ainda na linha crítica ao governo, classificou como “mesquinharia” a negociação do Planalto para obter maior participação no Fundo Monetário Internacional (FMI) como condição para emprestar dinheiro para os países europeus em dificuldade. “Se esse é realmente um país maduro que se julga, inclusive, com a maturidade que transcende a economia a ponto de pleitear um assento no Conselho de Segurança da ONU, não deveria criar qualquer obstáculo para participar de forma produtiva para um esforço como esse”, afirma, incisivo. A seguir, a entrevista.

iG: No início da crise atual, nos Estados Unidos, os títulos imobiliários não foram uma forma de “magia monetária” com consequências graves sentidas até hoje?
GUSTAVO FRANCO: A analogia é boa. Goethe utilizou na sua época o papel-moeda como uma alegoria para o que a gente poderia designar como inovação financeira de grande potencial e poder, que não era bem entendida na época. Isso podia gerar muito progresso. Mas também, como qualquer forma de energia poderosa, se descontrolada poderia produzir uma catástrofe.

iG: Como no caso da crise americana...
GUSTAVO FRANCO: Pode-se dizer a mesma coisa sobre os derivativos, que foram o coração da crise americana de 2008. O evento americano cabe nessa alegoria feita no Fausto 2, uma inovação financeira aparentemente mágica, aparentemente diabólica, mas que tem lá sua utilidade, ajuda o desenvolvimento do mundo financeiro, mas se mal utilizada pode gerar uma enorme confusão, como foi o caso.

iG: Diante da possibilidade da Europa ter uma década perdida, em contraste com a do Brasil, como o senhor vê o impacto para a economia brasileira?
GUSTAVO FRANCO: Bom, primeiro, não vamos exagerar a prosperidade brasileira. O Brasil tem crescido, o que é muito bom, mas a uma taxa um tanto anêmica. Na média, nos últimos dez anos, nós estamos crescendo menos do que 4% ao ano. Não é uma taxa de crescimento de se orgulhar. Está muito inferior ao padrão dos BRICs. Pode-se até dizer que estamos perdendo tempo e oportunidades, porque não estamos conseguindo empreender as reformas e as melhoras na política econômica que nos colocariam num patamar de crescimento parecido com a China. Estamos fracassando nisso.

iG: Então não seremos afetados?
GUSTAVO FRANCO: O fato de a Europa ficar estagnada nos próximos dez anos vai mudar muito pouco a nossa perspectiva, já que o que faz o Brasil ficar meio trancafiado num crescimento baixo não tem nada que ver com a Europa, tem que ver com coisas nossas mesmo. Desde que não haja um episódio agudo de crise, como foi o último trimestre de 2008, a crise europeia não vai ter maior impacto aqui no Brasil.

iG: O senhor acredita que há solução para a crise?
GUSTAVO FRANCO: Claro que há. Não tem mundo sem crise, nem crise sem solução.

iG: Os governos estão na direção correta?
GUSTAVO FRANCO: Está convergindo para a solução, sim. A dificuldade é a velocidade. É uma dificuldade que tem que ver com a própria construção europeia, supranacional, mas também é um modo de ver a dificuldade decisória naturalmente produzida pela democracia. Os chineses têm uma crítica constante ao ocidente, aos Estados Unidos em particular, no sentido de que a democracia atrapalha as decisões pertinentes para o crescimento. Mas sabemos que na China não há direitos trabalhistas, não há proteção ao meio ambiente, não há várias coisas que são próprias do regime democrático. A Europa, dentro dos quadrantes de uma democracia, está andando na velocidade e na urgência possíveis. Claro que às vezes caminha num gelo muito fino e os mercados financeiros acham que é lento.

iG: O senhor vê a inflação com preocupação?
GUSTAVO FRANCO: Vejo com preocupação, sim, porque temos uma composição de políticas econômicas que vejo como equivocada. Boa parte dos nossos problemas está exatamente aí. Temos uma política fiscal excessivamente expansionista, com taxa de crescimento do gasto público muito alta. Para compensar essa distorção, temos que praticar as maiores taxas de juros do mundo. Isso cria a armadilha do crescimento baixo. Mas se nós tentarmos sair dessa armadilha mexendo para baixo nos juros sem alterar a política fiscal, vamos provocar mais inflação e não vamos gerar um crescimento que não seja uma espécie de voo de galinha.

iG: O senhor é favorável ao Brasil fazer um empréstimo ao FMI visando ao ganho de mais peso no órgão? Esse empréstimo é positivo?
GUSTAVO FRANCO: É claro que é positivo. Na essência estamos sendo chamados a participar de um esforço internacional para resolver a crise da Europa. O que acontece é que provavelmente estão nos solicitando contribuições que são maiores do que a nossa participação no Fundo. Quando nós fizemos o mais recente programa com o FMI, alguns países europeus participaram dando recursos em percentuais maiores do que as suas cotas no FMI. E nem por isso ficaram tentando obter vantagens a despeito disso. Ou seja, no passado o Brasil foi ajudado por alguns desses países que hoje estão precisando de ajuda. Então acho uma certa mesquinharia agora o Brasil querer fazer uma politicagem em torno do tamanho da sua participação no fundo como condição para participar de um esforço internacional, que é do interesse de todos que dê certo.

iG: Seria natural e até maduro do Brasil participar desse esforço internacional?
GUSTAVO FRANCO: O Brasil pode e deve participar. A palavra maturidade é muito própria para isso. Se esse é realmente um país maduro que se julga inclusive com a maturidade que transcende a economia, a ponto de pleitear um assento no Conselho de Segurança da ONU, não deveria criar qualquer obstáculo para participar de forma produtiva para um esforço como esse.

iG: Olhando para o Plano Real e o período em que o senhor esteve à frente do BC, o que considera que foi seu maior erro e o maior acerto?
GUSTAVO FRANCO: Os processos desse tipo, como foi o Plano Real, são processos complexos cujas decisões são tomadas no calor das circunstâncias. Não creio que a gente pudesse ter feito melhor. Acho que fizemos o melhor possível dentro de circunstâncias muito difíceis. Eu, particularmente, acho meio boba essa história das coisas que foram feitas erradas. Inclusive uma pergunta que me fazem com muita frequência, com relação à taxa de câmbio, se foi um erro ou não, o fato é que se tivesse sido feito diferente toda a história teria sido diferente.

iG: Como assim?
GUSTAVO FRANCO: Se a gente tivesse feito uma política cambial diferente no início do real, a inflação nos primeiros três meses não teria sido negativa, teria sido positiva. Pode ser que isso tivesse comprometido todo o esforço. É como você criticar o jogador de futebol que ganhou de um a zero apertado, e o torcedor acha que tinha que ter dado uma goleada, diz que o técnico não é bom. A resposta do profissional do futebol é sempre: então vai lá e faz. Para as pessoas que dizem para mim “ah, você tinha que ter feito diferente o câmbio, o juro”, eu digo, olha, então da próxima vez que tiver uma hiperinflação você vai lá e resolve, e vê se você faz melhor. Duvido, até porque foram várias tentativas fracassadas de resolver a inflação no Brasil. Muitos dos críticos do Plano Real participaram de esforços que deram errado no passado de forma canhestra, quase tola, e no entanto acham que o Plano Real teve erros. Como discutir com o sucesso? O Plano Real deu certo e os anteriores deram errado. É simples, é ganhar ou perder.

iG: O senhor cita em “Dinheiro e Magia” que cada época produz o seu próprio Fausto. Qual a relação deste mito (o do homem que vende a alma ao diabo) com a economia?
GUSTAVO FRANCO: Fausto é um músico que quer atingir um estágio mais elevado da sua arte. Não tem nenhuma vaidade ou nada frívolo no que ele quer buscar. Agora, no próprio Fausto 2 de Goethe, um desses fins é o desenvolvimento econômico e o principal meio é o papel-moeda, que não é necessariamente uma coisa diabólica. O papel-moeda pode parecer diabólico porque na peça é uma ideia proposta pelo diabo, mas não tem nada de mágico, não é bruxaria, não tem nada com o diabo. É a forma dominante de organização dos sistemas monetários da atualidade. Os fins são nobres. O desenvolvimento econômico e os meios não são diabólicos.

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