20 de dezembro de 2012

Os irmãos que criaram uma bolsa para quem ajuda a preservar florestas

OS JUSTICEIROS
Os irmãos Mauricio e Pedro Moura Costa na sede da BVRio, no Rio de Janeiro. Eles criaram um sistema de transação de cotas que pode pôr o Código Florestal para funcionar.

Ele poderia estar sobre uma prancha no mar carioca ou em turnê pelo Brasil fazendo um som com sua guitarra. Mas não. Há algumas décadas, o empreendedor Pedro Moura Costa abandonou o surfe diário, assim como os ensaios com o primo Rodrigo Santos, baixista na banda de rock Barão Vermelho, para dedicar seus dias às florestas. Hoje, com 49 anos e a bagagem de quem participou da criação do mercado de carbono, ele lançou no dia 10 de dezembro, uma bolsa de valores ambientais com características inéditas no mundo.


Se der certo, a bolsa fará justiça com aqueles que preservaram suas áreas de mata. “É um mecanismo que, pela primeira vez, colocará dinheiro no bolso de quem manteve suas florestas em pé”, afirma Justiniano Neto, secretário do Pará do Programa Municípios Verdes. “Os produtores ganharão com as árvores, assim como ganham os que colocam boi ou soja em suas terras.”

Pelo Código Florestal, a lei brasileira que define a ocupação do solo no país, os donos de fazendas no Brasil precisam manter parte de suas propriedades com florestas, uma área chamada reserva legal. O percentual varia de acordo com a localização. Na Amazônia, a cobertura vegetal deve preencher 80% da terra. Na Mata Atlântica, 20%. Estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística revelam que 80% dos 5 milhões de imóveis rurais não têm reserva legal suficiente. São fazendeiros ou posseiros que desmataram além da conta por má-fé ou derrubaram a mata numa época em que a lei era mais permissiva. Depois da aprovação do Código, os devedores terão até 20 anos para se regularizar. Eles podem deixar a mata se recuperar sozinha ou investir num reflorestamento caro, reduzindo a área de produção atual. Uma terceira opção é comprar créditos de quem preservou.


Aí entra o negócio de Costa. A recém-criada plataforma da BVRio é uma espécie de imobiliária on-line. Em vez de casa ou apartamento, compram-se ou vendem-se as cotas ambientais. O fazendeiro Flávio Carminati, de Paragominas, no Pará, tem 12.000 hectares de terras com soja e milho. Embora, segundo ele, esteja em dia com sua reserva legal, diz que pretende comprar algumas cotas. “Se, no futuro, eu quiser comprar outras terras sem reserva legal, posso usar esse mecanismo para compensar”, afirma.


A floresta negociada na BVRio não se transformará toda em dinheiro imediato. Como não há uma quantidade suficiente de cotas para um mercado de pronta entrega, as transações acontecem no presente, mas só serão pagas no futuro. Enquanto isso, a bolsa ajuda a ter uma ideia do tamanho do mercado. E ainda pressiona o governo federal a regulamentar o novo Código – apesar de ter sido aprovado, ele ainda precisa de algumas normas para sair do papel. “A intenção da BVRio é criar mecanismos de mercado que facilitem o cumprimento das leis ambientais”, diz o fundador Pedro Moura Costa. “Com a demanda pela compra e venda de áreas verdes mais claras, ajudamos a acelerar a regulamentação.” Ele estima que o mercado de devedores ambientais pode gerar negócios de R$ 100 bilhões e R$ 500 bilhões, dependendo do custo médio das transações.
NA VANGUARDA
Imagem aérea de uma fazenda em Paragominas, no Pará. Para se regularizar, grandes produtores já estão atrás de cotas florestais para comprar ou vender.

Não é a primeira vez que os produtores que preservaram escutam a promessa de recompensa financeira. Isso ocorreu com planos para remunerar aqueles que mantiveram suas árvores e evitaram a emissão de gases que provocam mudanças climáticas. Mas o produtor nunca foi recompensado de forma satisfatória. “Já criaram muita expectativa, mas, por causa da morosidade do governo, nada aconteceu”, diz Mauro Lúcio Costa, presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Paragominas. “Desta vez, há muita gente querendo vender e comprar.”


A biografia extraordinária de Costa é um bom argumento para convencer os produtores do sucesso da bolsa. Formado em engenharia agronômica, fez mestrado e doutorado em biotecnologia vegetal em Londres e, de lá, migrou para a Malásia no começo dos anos 1990. No sudeste da Ásia, desenvolveu o primeiro projeto de certificação de crédito de carbono do mundo. Fundou então sua antiga empresa, a EcoSecurities, que se tornou líder na venda desses créditos e foi comprada pelo banco JP Morgan. Enquanto era pesquisador, seus estudos para o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas receberam o Prêmio Nobel da Paz. Agora, uniu-se ao advogado e irmão Mauricio Moura Costa para recompensar quem cumpre a lei ambiental. Pedro diz que não faturará com a bolsa. O lucro da BVRio alimentará um fundo para investir em projetos ambientais.

As florestas são só o começo. Em 2013, a bolsa negociará créditos de reciclagem entre a indústria e os mais de 800 mil catadores de lixo do Brasil. Nas raras horas vagas entre uma invenção e outra, a dupla ainda pode ser vista arriscando umas ondas no mar do Rio de Janeiro. Já o rock’n’roll...

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