10 de julho de 2014

Quem disse que a aposentadoria é hora de parar?

Cheryl Delaney sempre trabalhou no mercado financeiro. Após a aposentadoria, ela passou a cuidar de idosos cinco vezes por semana.

Cheryl Delaney nunca esperava passar a aposentadoria trabalhando com idosos. Toda a sua carreira foi no setor financeiro – como funcionária de um banco e administradora de empréstimos, na área de cobranças e, por fim, como gerente de escritório do Fidelity Investments, em Boston. Trocar lençóis sujos definitivamente não estava em seus planos.

Mas a vida às vezes toma rumos estranhos. Em 2004, Cheryl procurava por uma nova posição no setor bancário e visitou o site retirementjobs.com, que oferece vagas de trabalho e aconselhamento de carreira para pessoas com mais de 50 anos de idade. Três anos depois, decidiu deixar o Fidelity e parar de trabalhar em tempo integral. Fez alguns trabalhos administrativos, reformou sua casa em Milton, no estado de Massachusetts, e estava "muito feliz aposentada".


Até que a alegria foi embora. Ao fim de 2012, ela estava prestando atenção demais ao aparelho de televisão. "Meus cachorros estavam enchendo a minha paciência", conta. Ela pensou em voltar ao trabalho, mas estava determinada a não retornar ao escritório.

Na mesma época, recebeu uma ligação da Mature Caregivers, um site similar ao retirementjobs.com. Eles tentavam encontrar cuidadores de idosos com mais de 50 anos de idade, e encontraram suas informações na base de dados do site. Será que ela estava interessada na posição?

"Eu disse que não tinha experiência no setor de saúde", recorda Cheryl, atualmente com 66 anos. "Eles disseram que eu só precisava ter bom senso". Uma semana depois, ela foi a uma entrevista. Atualmente, trabalha quatro horas por dia, cinco dias por semana, no Boylston Place, um asilo com assistência especializada em Brookline, no estado de Massachusetts. "É uma mudança e tanto", diz.

Habilidades são transferidas para novas funções

A história de Cheryl serve de lição para muitos aposentados. Muita gente acredita que as habilidades aprendidas ao longo de anos não se aplicam a novos setores, que sua experiência é intransferível e que terão de se reinventar para que possam continuar a ser competitivos. E, naturalmente, isso pode ser assustador.

"Existe um verdadeiro mito em torno dessa ideia de reinvenção, especialmente quando se trata de pessoas com mais de 60 ou 70 anos", conta Nancy Collamer, de Old Greenwich, em Connecticut, especialista em carreiras na semiaposentadoria, além de autora do livro "Second-Act Careers" (Carreira depois da aposentadoria, em tradução livre). "Por que jogar fora toda a vida, o trabalho e a experiência profissional? O importante é saber reconfigurar, pegar o velho e misturar com o novo, criando algo que seja empolgante no final do segundo tempo".


Um estudo publicado em 2008 pela AARP revelou que 83% dos trabalhadores estavam interessados em programas que desenvolvam novas habilidades para o aprimoramento de suas carreiras. Porém, 90% dos entrevistados também desejavam novos treinamentos para atualizar seu conhecimento e habilidades.

"É muito mais fácil para as pessoas fazerem isso se puderem se apoiar em algo que já faziam antes", conta Nancy. "Isso não significa que, se você foi contador em uma multinacional, irá encontrar outro trabalho de contabilidade. O objetivo é dar um passo para trás e pensar – 'OK, o que eu mais gostava de fazer quando era contador?' Você pode descobrir que a característica predileta do seu trabalho era participar de reuniões e encontrar outras pessoas do mesmo setor".

Isso é algo que Marie Ardito descobriu depois de se aposentar aos 62 anos como professora de matemática do ensino fundamental. Duas semanas depois de se aposentar, ela começou a se sentir impaciente e assumiu o cargo de diretora executiva de um grupo de aposentadoria.

Agora, aos 77 anos, Marie é coordenadora de informação do Massachusetts Retirees United, um grupo sem fins lucrativos. Boa parte de seu trabalho envolve realizar palestras e motivar os aposentados, muitos dos quais costumavam trabalhar como educadores.

"Uma das coisas que mais me deixa louca é o comentário: 'A única coisa que sei fazer é dar aulas'", afirma Marie. "Se você se dá bem com crianças, consegue aguentar qualquer pessoa. As habilidades são transferíveis. Conheci professores que agora trabalham na seção de admissões em hospitais – eles trazem consigo a capacidade de cuidar, o conhecimento de computação e de programas de desenvolvimento".

Programa de bolsas impulsiona mudanças

Para ajudar essas pessoas a descobrirem como suas antigas habilidades podem ser utilizadas de outras maneiras, o Encore.org coordena uma rede de organizações que oferece um programa de bolsas.

Os assinantes devem ter um mínimo de 15 anos de experiência, mas geralmente contam com cerca de 25 anos, afirma a diretora nacional, Leslye Louie. Durante o período de bolsas – que dura de 6 a 12 meses, em período integral ou meio período – os participantes recebem de US$ 20 mil a US$ 25 mil por 1 mil horas de trabalho.

"Com frequências, eles nem sabem que suas habilidades podem ser transferidas – essa é a principal razão que os leva a se inscreverem", explica Leslye, que já fez parte do programa. "Passamos muito tempo trabalhando com essas pessoas para mudar essa identidade e mostrar como suas habilidades podem ser transferidas. Acredito que essas habilidades são para a vida toda e estamos sempre as usando e desenvolvendo".


Isso é algo que Kathy Quiett descobriu. Técnica de fabricação da Intel em Rio Rancho, no Novo México, por mais de duas décadas, Kathy, de 56 anos, chegou à conclusão de que deveria fazer algo diferente. Ela se inscreveu para o programa de bolsas da Encore e foi aceita. Mas quando Leslye perguntou que tipo de trabalho estava interessada em fazer, Quiett não sabia o que dizer.

"Eu disse que gostaria de resgatar cães e gatos pequenos", recorda Kathy que havia se mudado com o marido para Melbourne, na Flórida, em novembro. Ela voltou com uma oferta: O que ela achava de ajudar a abrir um centro de tratamento de tartarugas marinhas no Zoológico Brevard, em Melbourne?

Kathy não perdeu a chance. Não importa que seu trabalho anterior não tivesse qualquer relação com animais (ou com o mar). "Eles estavam em busca de alguém que pudesse ajudar as tartarugas a chegar ao zoológico, registrando se elas têm determinadas doenças e o seu nome no computador e sei mexer no computador perfeitamente", conta (suas obrigações também envolvem garantir que a água das tartarugas tenha o equilíbrio químico correto, algo que ela terá de aprender).

Louisa B. Hellegers também usou suas velhas habilidades de novas maneiras depois da aposentadoria. Em novembro de 2009, Louisa, que agora tem 66 anos, deixou seu emprego como editora na Cambridge University Press. Logo em seguida passou a trabalhar voluntariamente como chefe do comitê que buscava um diretor para um grupo de cantores amadores de Nova Jersey.

"Eu já havia contratado uma porção de pessoas ao longo da minha vida", contaLouisa, que vive em Nova York. "Havia ajustado meus instintos para buscar as informações corretas nos currículos, de forma a encontrar aqueles que estivessem mais de acordo com a empresa".

Cerca de um ano depois, ela se candidatou a uma bolsa da Encore, e no verão de 2011, passou a fazer parte do Centro de Oportunidades de Emprego, uma agência sem fins lucrativos de Manhattan que oferece trabalho para ex-detentos que acabaram de deixar a prisão. Seu trabalho era o de desenvolver a equipe interna, o que exigia habilidades de editoração, capacidade de realizar entrevistas, treinamentos e conhecimentos de marketing. "Eu realizava programas de coaching", diz.

Após o fim do programa de bolsas, Louisa se tornou diretora de desenvolvimento organizacional. Em agosto ela se aposentou – novamente – e planejava viajar com o marido. Mas, então, recebeu uma ligação da Encore. O diretor do programa de bolsas da Encore em Nova York estava deixando o cargo, e a organização queria saber se ela estava interessada em assumi-lo. Não pensou duas vezes.

Ninguém ficou mais surpreso com a transição do que ela mesma. "Quando deixei meu antigo emprego, me disseram que minha única possibilidade era continuar como editora", afirma. "Foi só quando saí em busca do diretor musical que comecei a perceber que minhas habilidades realmente poderiam ser transferidas para outras atividades".

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