9 de julho de 2012

O Real atinge a maioridade e muda a vida das pessoas em apenas uma geração

Rubens e Renata têm apenas 18 anos de diferença entre si. Mas Rubens, de 18 anos, e Renata, de 36, têm pouco em comum. Ela sempre teve medo do futuro, ele acredita que tudo dará certo em sua vida, graças à estabilidade da moeda.
  Notas de cruzeiro são incineradas logo após a entrada em circulação do real, em 1994.

Rubens de Souza e Renata Santos têm apenas 18 anos de diferença entre si. Técnicamente, são da mesma geração. Mas Rubens, de 18 anos, e Renata, de 36, têm pouca coisa em comum. Ela sempre teve medo do futuro, ele acredita que tudo dará certo em sua vida. Renata, quando tinha a idade que Rubens tem hoje, nem ao menos conseguia fazer planos para dois, três anos adiante. Já Rubens prevê como estará vivendo quando tiver a idade de Renata hoje. Renata ainda tenta guardar todo dinheiro que sobra, com medo de que as coisas um dia voltarão a ser difíceis. Rubens diz que não gosta de dinheiro. 

Rubens e Renata vivem em São Paulo, são o que hoje se chama de Nova Classe C e seus pais têm passados semelhantes. O que os faz tão diferentes tem relação com as profundas mudanças econômicas e sociais que o país passou nas últimas duas décadas. Entre Rubens e Renata, há o Plano Real, que completa exatamente neste domingo 18 anos.
               Renata,. mostrando um álbum de fotos de 1994, quando ela tinha 18 anos.

Quando Renata tinha 18 anos, o futuro era incerto. Ela tinha acabado de entrar no curso de psicologia da Universidade de Santo Amaro, trabalhava em um dos laboratórios da faculdade e tinha muitos medos. Um deles era a crença de que o país iria piorar política e economicamente. “Eu achava que tudo ia ser pior, que eu precisava estudar e me preparar bastante porque ia ser mais difícil”, diz. “Naquela época, eu não tinha noção do que eu seria, a gente falava pouco sobre o futuro, eu não conseguia projetar a longo prazo”. O futuro além de incerto era completamente imprevisível. 

Em 1994, as pessoas pensavam na inflação do dia ou da semana, essa era a principal preocupação. Dezoito anos depois, os brasileiros enxergam mais longe, o cenário econômico mais estável que o Plano Real permitiu que jovens como Rubens passassem a pensar mais a longo prazo e a planejar mais suas vidas. “Eu queria ser arqueólogo, depois pensei em Ciências Sociais, mas também queria viver de arte, grafitar. Aí cheguei em geologia, mas se não der certo a geologia, daqui a cinco anos tento outro curso e se não der certo, tento outro”, diz, com a constumeira certeza de quem tem 18 anos. 

Fernando Henrique Cardoso: “O Plano Real se chamava Plano FHC”

Marcelo Neri, do Centro de Políticas Sociais (CPS/FGV), explica que “era difícil se desprender do curto prazo”. “Hoje, conseguimos pensar em colocar as crianças na escola, melhorar a educação, fazer programas sociais, temos uma perspectiva de economia mais real”, diz. O ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco, conta que escreveu sobre o futuro do país em 1995, mas teve dificuldades para traçar um panorama. “Era incerto, ainda estávamos muito perto do precipício de onde caiu a Argentina”, diz. “Vivíamos um dia de cada vez”.

No Brasil que Renata viveu, os jovens não tinham tantas oportunidades para escolher um ensino superior, se as tinham. “Eu comecei a trabalhar com 13 anos, e só consegui entrar com 18 anos na faculdade porque ganhei bolsa”, conta. Desde o período, o ensino superior no país apresentou um salto, na última década, o número de universitários mais do que dobrou. Em 2001, cerca de 3 milhões estudantes se matricularam em cursos de graduação, em 2010 esse número alcançou 6,4 milhões, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (Inep).

Se o futuro assustava, o presente não era tão diferente assim. As inseguranças de Renata eram muitas, ela tinha “medo de que a inflação tomasse conta e não desse para comprar o básico”. Renata não lidava com o próprio salário, todo o dinheiro que recebia entregava para a mãe que precisava se preocupar com a construção da casa, o nascimento da primeira neta e a alimentação de quatro pessoas. “Minha mãe tinha muito medo, ela falava que as coisas estavam difíceis, as pessoas estavam passando fome”. Foi por isso, que no terreno baldio do lado de sua casa, a mãe de Renata plantou mandioca, chuchu, cana de açúcar e milho. “Tinha semanas que a gente só comia isso”.

Para Gustavo Franco, “esses medos estiveram presentes durante todo o caminho, tivemos diversos momentos críticos, de vários tipos”. Renata se lembra muito bem desses momentos e diz que um dos motivos para seus temores era “a inflação que consumia todo o salário”. Em 1994, a diferença entre o valor real do salário mínimo e o valor nominal era muito grande, os R$346,46 na verdade valiam R$64,19. Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), entre 1983 e 1994, houve uma corrosão do valor do salário mínimo devido à aceleração inflacionária e aos planos econômicos fracassados, mas a partir de 1995, a valorização foi retomada.

Passados 18 anos, não há mais diferença entre os valores e o mínimo vale R$622. Apesar disso, “a inflação ainda é algo que está na memória do sistema”, diz Neri. Segundo Gustavo Loyola, também ex-presidente do Banco Central, há uma tendência de se diminuir a influência da memória inflacionária no funcionamento da economia, mas “ainda não esquecemos totalmente da inflação”. Prova de que essa memória ainda existe é que até mesmo quem nasceu quando o Plano foi criado ainda sente influências do período.


Rubens, o jovem que mora no Taboão da Serra, trabalha na USP e faz cursinho pré-vestibular não viveu as incertezas do período e tudo o que sabe sobre a ocasião são as lembranças de sua mãe. “Ela diz que na época da inflação, guardou muita grana, depois converteu de cruzeiro para real e se sentiu muito pobre”, conta.
Rubens, que nasceu em 1994, acha que quando chegar aos 36 terá um bom emprego, um bom carro e viverá com a família em uma boa casa.

O fato de não ter vivido o período, e, além disso, viver tempos de claro otimismo econômico tornou Rubens um jovem muito mais seguro e cheio de opiniões. Ele ouve rap, lê o Le Diplomatique, não gosta de dinheiro e questiona: “economia fervorosa e aumento do poder aquisitivo da população, firmeza...mas de que população a gente tá falando?”. O menino que apanhava quando era pequeno e teve que conviver com traficantes, não fala muito sobre o passado, porém não teme ao fazer projeções do futuro. O Brasil daqui a 20 anos? “Vai ter mais movimentação econômica e mais cara para o mundo, mais competitividade em relação aos outros países”. E como ele próprio vai estar daqui a 20 anos? “Um geólogo trabalhando na área, com uma casa legal, um carro, um casamento, emprego bom e salário fixo”. Rubens faz planos e os conta com a segurança de quem sabe que se não se tornarem realidade, pelo menos, eles são possíveis.

A esperança de Rubens faz parte do otimismo de grande parte dos brasileiros em relação à realidade socioeconômica do país. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em maio desse ano, 66,8% da população acreditava que o Brasil passaria por melhores momentos nos próximos 12 meses. O valor é superior ao apurado em maio de 2011, 62,9%. Gustavo Franco, que teve dificuldades em 1995 para falar sobre o futuro, hoje não tem problemas ao dizer que acredita que em 20 anos o Brasil será “um país ainda mais jovem, mais internacionalizado, e com uma democracia de mercado mais madura”.

O Plano Real foi um passo fundamental para o crescimento econômico e apesar de não ter sido um programa de combate à pobreza, contribuiu para a melhora na distribuição de renda no país. A desigualdade social brasileira alcançou seu pico em 1990, quando o índice Gini (que varia de zero a um, sendo um o maior grau de desigualdade possível) chegou a 0,6091. Em 2010, o índice ficou em 0,5304, o menor nível desde 1960. Para Gustavo Loyola, “estamos no caminho, mas ainda temos carências graves”. Marcelo Neri explica que o programa econômico adotado em 94 foi uma condição necessária para várias mudanças, mas não foi uma condição suficiente.

Por isso, Neri é um otimista mais recatado. “A única certeza é que não há certezas. É como se diz, o Brasil não é para amadores. Sou positivo, mas é difícil de prever”, diz. O ex-ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, também acredita no crescimento do país, porém afirma que “teremos avanços na educação inferiores às necessidades, o país terá na baixa qualidade da educação um dos gargalos a seu rápido crescimento”. Mas de uma coisa Nóbrega não duvida, o país não passará por outro momento como a década de 90. “Se a hiperinflação morreu? Ah, morreu”, diz. Renata e Rubens podem ficar tranquilos.

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