9 de agosto de 2012

Idosos espanhóis pagam a conta da recessão

País tem a taxa de desemprego mais alta da zona do euro e, em alguns casos, as famílias estão removendo os parentes de asilos para poder embolsar as aposentadorias.

Dolores Fernandez Mora, 76 anos, e o marido, Mariano Blesa Julve, 75 anos, chegaram a pensar que terminariam seus dias com conforto relativo, a casa quitada e uma pensão sólida de aproximadamente US$ 1.645 por mês. Talvez até viajassem.

Em vez disso, estão sustentando a filha desempregada de 48 anos e dois de seus netos adultos desempregados que agora moram com eles numa minúscula casa de dois quartos aqui no norte da Espanha. Eles assumiram as dívidas da filha. Às vezes o dinheiro mal dá para a comida.

"Enquanto ela não trabalhar, não boto dentadura nova e ponto final", afirmou Fernandez recentemente, em sua sala de estar, enquanto mostrava as falhas no sorriso.
Carmen Blesa, à esquerda, com seu pai, Mariano Blesa Julve, mãe, Dolores Fernandez Mora, e um de seus filhos em casa, onde a única renda é proveniente da pensão dos idosos. Zaragoza, Espanha.

À medida que os efeitos de anos de recessão se acumulam aqui, mais e mais famílias espanholas – com o seguro-desemprego terminando e presos a hipotecas que não podem saldar – estão dependendo dos parentes mais idosos. E há pouco alívio à vista.

A última rodada de medidas de austeridade parece ter ajudado pouco a restaurar a confiança do investidor. As novas estatísticas do emprego divulgadas no final de julho mostraram que o índice de desemprego bateu um recorde, chegando a 25%.

As aposentadorias dos idosos estão entre os poucos benefícios que não foram cortados, embora estejam congeladas desde o ano passado. Segundo especialistas, os espanhóis são conhecidos pelos fortes laços familiares e a maioria dos avós está disposta a ajudar, sem querer admitir a estranhos o que está acontecendo.

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Contudo, quem trabalha com idosos afirma que não está sendo fácil. Muitos agora lutam para alimentar três gerações, com as casas superlotadas e as tensões da situação por vezes transformando suas vidas num inferno.

Em alguns casos, as famílias estão removendo os parentes de asilos para poder embolsar as aposentadorias. É uma tendência que leva defensores dos idosos a se preocuparem com o fato de as gerações mais jovens talvez estarem indo longe demais, mesmo com a concordância dos avós em se mudar ou doentes demais para perceber.

"A crise espanhola está afetando os idosos de uma maneira muito especial", disse o reverendo Angel Garcia, que comanda um grupo sem fins lucrativos voltado a crianças e idosos. "Muitos avós querem dar o que podem e dão. Porém, infelizmente, às vezes o que acontece é que a geração mais nova está explorando a mais velha. Estão tirando tudo que eles têm."
Mariano Blesa Julve com sua mulher, Dolores Fernandez Mora, em sua casa em Zaragoza.

Uma pesquisa recente da Simple Logica, sócia da Gallup na Espanha, constatou um salto no número de idosos sustentando familiares. Numa pesquisa telefônica realizada em fevereiro de 2010, 15% dos adultos com mais de 65 anos afirmaram sustentar pelo menos um parente mais jovem. No estudo de fevereiro de 2012, o número subiu para 40%.

Dados coletados por uma associação de clínicas de repouso privadas, inforesidencias.com, revelaram que, em 2009, 76% das afiliadas tinham vagas. Ano passado, 98% delas ofereciam vagas.

Para especialistas, tais números refletem o desespero crescente na Espanha, que tem a taxa de desemprego mais alta da zona do euro. Segundo cifras recentes do governo, praticamente uma em cada dez famílias não contava com um adulto trabalhando.

De acordo com especialistas, os aposentados, ao dividir as aposentadorias e sacar as economias, têm sido os heróis silenciosos da crise econômica e que sem eles, a Espanha veria um clamor social muito maior. Em muitos casos, eles estão a meio caminho entre os filhos de meia-idade e os sem-teto.

"Por que não existem mais pessoas protestando por comida nas ruas?", questionou Gustavo Garcia, diretor da Casa Amparo, o asilo municipal de Zaragoza. "A resposta são os idosos."

Sem dúvida, foi esse o caso de Petri Oliver, 53 anos, e o marido, Pedro Grande, 53 anos, os quais revelaram que somente sobreviviam até pouco tempo atrás porque estavam cuidando da mãe de 80 anos de Oliver em casa em vez de colocá-la numa clínica de repouso. A mãe, portadora do mal de Alzheimer, teve três derrames no ano passado, ficando em estado vegetativo.

Enquanto a mãe de Oliver estava viva, ela permaneceu num leito de hospital na abafada sala de estar do casal, cercada por pilhas de suprimentos médicos, como as refeições líquidas. O pai de Oliver recebia 300 euros mensais do Estado para cuidar da esposa, dinheiro repassado à filha.

"Se ela for para um asilo, não teremos o que comer", Oliver afirmou em julho. Contudo, uma semana mais tarde, a mãe faleceu.

Até dois anos atrás, o marido de Oliver trabalhava na construção, apesar de um acidente de trabalho ter lhe custado a visão de um olho. Agora, a única renda do casal são os cerca de US$ 1.200 mensais da pensão por invalidez. Porém, a hipoteca é de quase US$ 1 mil. Eles não podem visitar a filha, que mora a duas horas de viagem de Barcelona, porque não podem pagar a gasolina. A filha também está desempregada.

"Não sabemos o que vamos fazer agora", disse Oliver.

Nos subúrbios de Barcelona, Mari Angeles Ramiro Trenado ganhava apenas US$ 150 mensais e pagava aluguel de US$ 615 quando ela e o irmão decidiram tirar a mãe da clínica de repouso neste ano. Numa tarde recente, Ramiro, que também tem um filho adulto deficiente mental em casa, afirmou que cuidar da mãe a deixava exausta e deprimida.

Porém, apesar de todo o esforço, a mãe, frágil a ponto de não poder sair de casa e sofrendo de lapsos mentais, exigia ser levada de volta à clínica. Ramiro, faxineira em meio período num banco no povoado de Ripollet, contou que ela e o irmão acatariam a decisão, embora a mãe levasse junto uma pensão de US$ 740 mensais.

"Quero que ela fique. Tenho de admitir que me ajudaria bastante."

Segundo especialistas, os idosos espanhóis têm de lidar com os aspectos financeiros da crise e também sofrem ao observar o colapso das vidas dos filhos. Antonio Martin afirmou ter perdido a visão do olho direito depois que a filha Antonia, 41 anos, e a neta foram morar com ele, que adquiriu problemas sérios de pressão.

Antonio se diz feliz por ajudar Antonia, que perdeu o emprego quando a construtora na qual trabalhava faliu. "Eu falei para ela vir. É uma reação normal."

Entretanto, o que realmente o incomodou foi perceber tudo que a filha perdeu. "Ela tinha emprego e casa e, agora, não tem nada. Por isso é tão duro."

Poucos encaram facilmente a dependência dos pais idosos. Na meia-idade, eles se veem de volta aos papeis abandonados décadas atrás. Antonia Martin mora no quarto minúsculo no qual cresceu, com os pertences empilhados até o teto. O berço da filha fica no quarto dos avós por falta de espaço. Ela tem de pedir dinheiro para comida e roupas da filha.

"Às vezes levo bronca como se tivesse 12 anos", Antonia contou, gargalhando. "Porém, pelo menos tenho os meus pais. Existe gente que não tem nem isso."

Durante algum tempo, Dolores Fernandez e o marido tentaram sustentar a clínica de aromaterapia e massagem da filha, mas o negócio fechou.

Agora, eles pagam a hipoteca do apartamento da filha – cerca de US$ 245 mensais –, embora, para economizar os gastos com eletricidade e água, ela não resida mais no local. Todavia, para pagar o financiamento, abriram mão do seguro contra incêndio e roubo da própria casa, além de muitas outras pequenas despesas.

Fernandez não vai mais ao cabeleireiro e deixa o cabelo crescer; para ela, os netos precisam cortar o cabelo mais do que a avó. "Já sou bonita que chega", ela brinca.

Contudo, a fachada de coragem some de tempos em tempos. Ela se preocupa em particular com o que acontecerá se o marido morrer antes dela, reduzindo a pensão da família para um terço. "O que então será de nós", ela perguntou, com os olhos rasos de lágrimas.

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