6 de abril de 2014

BC tenta restringir poupadores com direito a correção dos planos econômicos

O Banco Central (BC) emitiu um parecer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) pedindo para restringir o alcance de poupadores beneficiados pela correção monetária dos planos econômicos. O pedido refere-se a uma ação civil pública (ACP) em que o Banco do Brasil foi condenado a ressarcir as perdas da poupança em câmbio nacional.
Isaac Sidney Menezes, autor do documento que pede a restrição dos poupadores beneficiados.

No documento, o procurador-geral do BC, Isaac Sidney Menezes Ferreira, defende que a decisão deveria ter efeito apenas regional. Ou seja, beneficiar apenas os correntistas do BB do Distrito Federal – onde correu a ação – e que, além disso, fossem associados ao Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), entidade autora do processo.


É a primeira vez que o Banco Central se manifesta pedindo a restrição regional em um recurso que vai consolidar jurisprudência, na condição de amicus curiae (parte interessada na causa), segundo confirmou o próprio órgão.

Mas no caso em questão, o STJ já havia decidido – em sentença de 2009 que transitou em julgado (da qual não é mais possível recorrer) –, que a ação coletiva beneficia poupadores de todo o País, e não apenas do Distrito Federal, podendo qualquer pessoa que se sentiu prejudicada entrar com uma ação individual para ter direito ao benefício.

Desde então, centenas de ações sobre o tema chegaram aos tribunais de diversos Estados. Até que uma delas, originária de um poupador do Rio Grande do Sul e cujo recurso especial tramita no STJ em favor do correntista, será julgada em caráter repetitivo pela Corte (ou seja, será aplicada de forma idêntica para todas as outras) para definir quem se beneficia das ações coletivas.

BC alega risco econômico aos bancos

Se o STJ mantiver o entendimento da abrangência nacional, o BC alega consequências econômicas, citando um estudo encomendado que contabiliza as perdas do sistema financeiro.

“Se prevalecer a posição de que as ACPs [ações civis públicas] podem beneficiar todos os poupadores, então o risco para os bancos é significativamente maior”, informa o documento.

De acordo com o estudo apresentado pelo BC, o custo destas ações para os bancos pode variar de R$ 23 bilhões, num cenário no qual a abrangência é local e não incidem juros de mora (taxa sobre o atraso de um pagamento), até R$ 341 bilhões se o efeito for nacional e houver a taxação extra.

No entendimento do Idec, autor da ação civil pública que originou a discussão, o alcance nacional das ações civis públicas já foi reconhecido no STJ e não cabe ao BC revisar a questão.

“Isso [abrangência nacional das ações coletivas] já foi decidido de maneira definitiva contra o Banco do Brasil e nem poderia mais ser discutido, porque já transitou em julgado [não se pode mais questionar a decisão]”, explica Mariana Alves Tornero, advogada do instituto.

Segundo Mariana, o Idec defende causas que atingem a todos os consumidores, e não apenas seu quadro de associados, de modo que pedir para restringir o benefício apenas a este grupo seria incabível.

"[O parecer do BC] é mais uma tentativa de criar confusão e atrasar o andamento do processo, que já se encontra em fase de execução (definição dos valores a serem pagos pelo banco)", defende. "Eles [os bancos] conseguem muita coisa com essas tentativas de versar sobre o que já foi decidido”.

Na visão do advogado Alexandre Berthe, que entrou com diversas ações em defesa dos poupadores, uma ação civil pública nem precisaria existir se seus efeitos não valessem para todo mundo, como pretende o BC.

“Seria uma aberração jurídica [o acolhimento do pedido pelo STJ]. Isso reduziria de forma drástica e incalculável o número de pessoas beneficiadas nestas ações”, diz.

O BC e o Idec afirmam não ser possível estimar a quantidade de poupadores que deixariam de se beneficiar se a abrangência da ação fosse regional e restrita aos associados do instituto.


Mas é possível estimar que, dos milhões de brasileiros possivelmente prejudicados pelos expurgos inflacionários no País, apenas os cerca de 10 mil associados do Idec, com conta no BB do Distrito Federal à época dos planos (entre 1986 e 1991), teriam direito ao benefício.

Para Berthe, o documento apresentado pelo BC é mais uma manobra a favor dos bancos, como a de postergar ao máximo o julgamento de ações que correm no STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a constitucionalidade dos planos econômicos.

Marcado para o fim de 2013, o julgamento no Supremo já foi adiado por duas vezes por pressão dos bancos, que amparados pela Febraban (Federação Nacional dos Bancos) e pelo Ministério da Fazenda, alegam um rombo que afetaria todo o sistema econômico.

“Essa demora só beneficia os bancos, já que inúmeros processos estão para prescrever (perder validade jurídica) e muitos dos poupadores estão morrendo. Hoje vejo que esse julgamento tem razões políticas”, conclui Berthe.

Procurado, o BC se limitou a confirmar as afirmações contidas no documento. A Febraban, que também age como parte interessada nas ações, disse que não comenta o assunto.

Entenda a ação que condenou o BB

O caso teve início em 1993, quando o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) entrou em São Paulo (SP) com uma ação civil pública contra o Banco do Brasil, pedindo o pagamento da diferença da correção monetária sobre os saldos da poupança dos seus clientes, em janeiro de 1989.

Por que o processo chegou ao Distrito Federal?

Devido ao âmbito nacional dos danos aos correntistas, o processo foi transferido ao Distrito Federal, como prevê o Código de Defesa do Consumidor (CDC). A ação, da qual não é mais possível recorrer, teve decisão favorável aos poupadores de todo o País, determinando a correção do índice de 42,72% sobre o que fosse aplicado sobre os saldos naquela época.

STJ também julgará aplicação dos juros de mora

Também aguarda julgamento a aplicação dos juros de mora (taxa sobre o atraso de um pagamento) nas ações coletivas da poupança. O Tribunal já adiou por três vezes a pauta, alegando conflito de interesse de dois ministros: João Otávio de Noronha e Villas Bôas Cueva.

Ambos têm relações com o Banco do Brasil, que é parte na ação. Eles já haviam manifestado isso no adiamento anterior. O recurso que será julgado definirá se a aplicação dos juros vale a partir da citação na ação civil pública (1993), ou desde o início de cada ação individual proferida na ação coletiva.

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