23 de setembro de 2013

Alpargatas tenta se livrar de processo de meio bilhão de reais da Drible

Embargos de divergência. Este nome complicado é o que intitula a última tentativa da Alpargatas para sair bem do enrosco jurídico no qual a empresa está envolvida desde 2002, quando foi processada pela detentora da marca Drible, a San Remo Empreendimentos.

Com este recurso, solicitado em 4 de setembro, a Alpargatas pretende reverter a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que renova as esperanças em uma vitória da San Remo Empreendimentos e de sua advogada Érica Aoki. A decisão unânime do STJ devolveu à primeira instância o pedido de indenização de R$ 480 milhões por danos materiais e depreciação do valor da Drible. O processo é o segundo movido pela marca – o primeiro acusava apenas lucros cessantes (que deixaram de entrar em caixa) e danos morais, no valor de R$ 4 milhões.

Um esvaziamento de contrato foi o que separou o empresário Joani Palmeira, de 64 anos, do que ele julga seu maior empreendimento. Conhecidas por ter sido coadjuvante no milésimo gol de Pelé, as bolas da marca Drible – bem como toda a linha completa para futebol –, já estavam no pé da garotada quando a Alpargatas apareceu, interessada em licenciar a marca, mediante exclusividade de fabricação.

Era final da década de 1990 quando Palmeira cedeu aos encantos da gigante, que lhe ofertava o que hoje seria equivalente a R$ 480 milhões pelo uso da sua marca. A marca já expandia seu portfólio também para os equipamentos de boxe – cujo Conselho Fiscal da Confederação Brasileira ele presidiu até o ano passado. “Na época em que assinamos, em 1999, a diretoria queria uma marca para atuar no mercado de futebol”, diz o empresário. “Nosso contrato previa que em janeiro de 2000 a Drible lançaria bolas, chuteiras e uma linha completa de produtos fabricados pela Alpargatas.”

Palmeira, no entanto, viu seus planos serem colocados de escanteio: a diretoria que tocava o projeto da Drible dentro da Alpargatas foi afastada. Com Paulo Lalli à frente da operação, a marca desistiu de lançar os produtos Drible – que competiriam com as marcas Tooper e Rainha, ambas da mesma controladora.

Dos 20 itens que seriam lançados, apenas três foram parar nas prateleiras – a título de saldão. “Não tinha catálogo, nem cartaz de ponto de venda, nem mostruário. O portfólio tinha um tênis, uma bola, um meião e uma meia – e pior: um tênis "estilo Conga", horroroso”, lamenta Palmeira. “A Drible virou a chacota do mercado de equipamentos esportivos.”
Alpargatas sugere R$ 1 milhão como provisionamento para o caso de perder o processo.

Processo

Em 2002, Palmeira resolveu buscar ressarcimento por danos morais e lucros cessantes – o pedido de indenização era de R$ 4 milhões. Três anos depois, entrou com uma nova ação, desta vez pedindo os R$ 480 milhões do valor de marca – devidamente corrigido – previsto no contrato como multa à San Remo caso a marca fosse vendida.

Com o processo em curso, a Alpargatas buscou a extinção da ação de maior valor, apontando litispendência – quando se abre um segundo processo idêntico ao primeiro. Embora a 22ª Vara Cível e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP tenham dado razão à Alpargatas, no STJ a decisão foi revertida a favor da Drible. O processo volta a ser julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

O último movimento da Alpargatas veio no começo de setembro, quando foi apontado o "embargo de divergência". Trata-se de um recurso "pouquíssimo solicitado", segundo Augusto Leal, sócio coordenador da área cível da Rocha e Barcellos Advogados. "Ele é pouco solicitado justamente porque o cabimento desse recurso é bastante restrito", diz. 

Leal aponta que o recurso só é cabível se um assunto similar – com a chamada similitude fático jurídica – já foi julgado por mais de um ministro do STJ e resultou em uma decisão incoerente com a avaliação em questão. 

Roberta Capistrano, advogada cível do Braga Nascimento e Zilio Advogados Associados, aponta que trata-se de um recurso para uniformizar os julgamentos – o que nem sempre beneficia uma das partes. "É uma forma de evitar subjetividades nas decisões", explica.

Agora, segundo Leal, o STJ deverá levar pelo menos mais seis meses para julgar a procedência do recurso, o que deverá adiar para o próximo ano o julgamento desse processo. "É impossível precisar a data de julgamento, mas até que o recurso seja avaliado levará um tempo", completa Roberta.

História

Fundada em 1948, a Drible começou pelas mãos de imigrantes alemães e chegou a ser a marca de artigos mais lembrada do País. Em 1984, Palmeira adquiriu a empresa e aumentou o portfólio. “Quando eu comprei, tínhamos oito fábricas licenciadas”, diz. “Só em modelos de bolas eram 20.”

Hoje, Palmeira trabalha com o filho em uma fábrica de gelo na Mooca. “Eu faço uma espécie de consultoria para ele. Eu dependia exclusivamente da Drible, tem sido difícil”, diz o empreendedor que mora na Vila Prudente (zona leste de São Paulo) – depois de já ter morado em bairros mais nobres, como a região do Parque do Ibirapuera. “Moro junto com meu filho e minha família”, conta. “Venho me virando. Brasileiro é assim. Se joga a gente em um buraco pode tirar e procurar outro mais fundo que um dia a gente sai.”

Governança corporativa

Na avaliação da assessoria jurídica da empresa, o processo passou de perda remota para perda possível, o que obrigou a Alpargatas a notificar a existência do processo nos último relatório trimestral divulgado. No entanto, o material aponta uma provisão de R$ 1 milhão – valor incompatível com a indenização solicitada em ambos os processos.

Contatada pela reportagem, a Alpargatas – que está sendo atendida pelo escritório Pinheiro Neto no caso Drible – afirmou, por meio da sua assessoria de imprensa, que não dá entrevistas sobre processos em andamento. A discrepância entre o valor mencionado no balanço e a indenização solicitada também não foi explicada.

No segundo trimestre, a empresa comemorou lucro líquido de R$ 70,5 milhões – uma alta de 14,8% na comparação com o mesmo período do ano passado. O resultado veio principalmente das marcas de calçados esportivos.

Com a possibilidade de perda desse processo, o investidor poderá ter de mexer na estratégia. “Sempre faz diferença para os investidores quando há possibilidade de perda de um processo como esse”, diz Carlos Biedermann, conselheiro do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa.

No entanto, o Biedermann reconhece que a dificuldade de se posicionar em um contexto tão incerto. “É difícil para a empresa se adiantar por que as possibilidades de perda ou ganho vão mudando ao longo do correr do processo”, defende.

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