17 de setembro de 2013

Colapso do Lehman Brothers: 5 anos depois, nenhum executivo foi processado

Fachada do Lehman Brothers no dia em que o banco pediu concordata, o principal marco da crise financeira.

Numa reunião a portas fechadas no começo de 2011, agentes reguladores de Wall Street estavam próximos a jogar a toalha sobre o maior de todos dos casos. Os oito membros da equipe da Comissão de Valores Mobiliários (SEC, na sigla em inglês) responsável pelo Lehman Brothers , após dois anos enfrentando uma sinuca atrás da outra, concluíram que processar os executivos do banco seria algo legalmente injustificável.

O grupo, lembrando que promotores e agentes do Escritório Federal de Investigações (FBI, na sigla em inglês) já tinham desistido de um caso criminal semelhante, decidiu por unanimidade fechar a mais proeminente investigação decorrente da crise financeira, segundo oficiais que participaram da reunião. É algo que permanecia inédito até hoje.

Mary L. Schapiro, a presidente-executiva da SEC, discordou. Ela pressionou George S. Canellos, que supervisionava a investigação sobre o Lehman como chefe do escritório novaiorquino da SEC, a explicar como executivos que estavam no comando durante a maior quebra da história dos Estados Unidos poderiam escapar sem sequer um processo civil.

“Eu não consigo entender”, disse Mary durante um diálogo tenso com Canellos em sua sala de conferências privativa em Washington, de acordo com oficiais que não foram autorizados a falar publicamente. “Por que não há nenhum motivo [ para um processo ]?”, ela perguntou, olhando para Canellos, instruindo-o a continuar investigando se o Lehman havia enganando seus investidores. “O mundo não vai entender.”

Nenhum executivo processado
                Richard Fuld durante depoimento na Câmara dos EUA no auge da crise.

Ela estava certa. Cinco anos depois do colapso do Lehman Brothers promover um pânico econômico mundial, o governo enfrenta questões pendentes sobre a decisão de livrar executivos como Richard S. Fuld Jr., que dirigiu o Lehman por 14 anos até o banco acabar. Nem um único alto executivo de qualquer banco de Wall Street enfrentou uma ação criminal decorrente da crise. E o prazo para o governo ajuizar a maioria das acusações termina neste mês, o mês de aniversário do colapso do Lehman, trazendo à luz uma lembrança do caso e de seu resultado impopular.

Procuradores federais e a SEC nunca anunciaram oficialmente sua decisão deencerrar as investigações sobre o Lehman. Mas uma análise do ‘The New York Times’ baseada em entrevistas com mais de uma dúzia de advogados e oficiais envolvidos na investigação e numa revisão de documentos da corte de falências abre uma cortina sobre deliberações privadas e um conflito de filosofias que cercam a decisão de não processar ninguém.

A SEC chegou silenciosamente à decisão em 2012, depois que oficiais debateram por meses sobre se o Lehman escondeu informação “material” em suas divulgações aos investidores, o que é um importante padrão legal. Canellos argumentou que as omissões não eram “materiais”. Aqueles que questionaram esse raciocínio – como Mary L. Schapiro e alguns contadores e fiscais – se dobraram à equipe de Canellos, que tinha mais proximidade com os indícios.

A SEC também debateu a culpabilidade dos alto executivos do Lehman. Mas a equipe de Canellos argumentou que Fuld não sabia que o banco estava usando práticas de contabilidade questionáveis, apesar do testemunho de outro executivo do Lehman ter sugerido o contrário.

Schapiro não impôs sua posição após membros do SEC a alertarem de que poderia ser antiético fazê-lo. Canellos também tinha o apoio de Robert S. Khuzami, que à época dirigia a unidade de fiscalização da SEC. Mas, numa reunião de altos representantes da SEC em 2011, Lorin L. Reisner, então o número dois da fiscalização do órgão, sugeriu preparar um rascunho de potenciais acusações para que a agência tivesse um documento concreto para revisar.

A equipe de Canellos se opôs, contam testemunhas que participaram da reunião. Canellos, segundo elas, propôs que, em vez disso, a SEC publicasse um relatório que explicasse publicamente a decisão de não processar ninguém. Mary e outros membros da SEC recusaram a opção, tendo em vista que a primeira versão do relatório feita por Canellos era muito simpática ao Lehman.

“Há discussões e debates saudáveis sobre questões legais e factuais em vários níveis da agência durante investigações importantes. Mas, no fim, as decisões são baseadas nos indícios e na lei”, diz um porta-voz da SEC, negando-se a comentar o caso do Lehman.

A decisão da SEC contrastou de forma gritante com um relatório feito pelo analista da corte de falências responsável pelo caso Lehman, que acusou os executivos de usarem estratagemas para “manipuar” o balanço.

“Houve vários momentos em que a SEC tinha a informação necessária e não agiu”, diz o analista Anton R. Valukas, ex-procurador fedral que hoje é presidente do escritório de advocacia Jenner & Block.

Colarinho branco
              Erin Callan, presidente executiva do Lehman Brothers à época da quebra.

Há consenso de que o Lehman faliu sob o peso de investimentos arrsicados em ativos imobiliários e da inabilidade para se financiar em meio ao turbilhão econômico de 2008. É menos claro se o governo fez uma revisão cuidadosa do colapso da emprsea.

A análise feita pela reportagem revela novos detalhes sobre o fôlego do esforço do governo governo – membros da SEC revisram mais de 15 milhões de documentos do Lehman e entrevistaram entre 30 e 40 testemunhas. A decisão de não processar ninguém, dizem os oficiais, veio apesar da esperança inicial dos investigadores, cujas carreiras teriam se beneficiado de terem sido responsáveis por um caso tão proeminente.

A SEC, que tem uma responsabilidade menor para provar suas acusações do que as autoridades criminais, abriu processos contra 66 altos executivos em casos ligados à crise financeira. A agência também impôs acordos bilionários a bancos como o Goldman Sachs. De acordo com uma nova pesquisa feita pela Análise de Litígios de Valores Mobiliários da Universidade de Stanford, a SEC deixou de processar indivíduos em apenas 7% dos casos de fraudes com que já lidou.

A unidade de fiscalização da agência, que passou por uma revisão a cargo de Khuzami depois da crise financeira, tomou uma linha ainda mais dura nos útlimos meses sob sua nova chefe, Mary Jo White. Ex-procuradora federal, Mary pressionou a unidade de fiscalização a buscar admissões raras ou má condutas por parte de acusados.

Ainda assim, a contínua ausência de processos criminais contra executivos de topo reflete o desafio de investigações de colarinho branco em que procuradores lutam para conseguir identificar onde é que negócios arriscados ultrapassam o limite da legalidade. Quando as evidências são vagas, procuradores algumas vezes hesitam em processar altos executivos, que têm dinheiro para a briga.

“Não é como um caso de assassinato, em que você tem um corpo e sabe que um crime foi cometido”, diz Rita M. Glavin, uma ex-procuradora federal que é agora advogada de defesa do escritório Seward & Kissel.

Por alguns instantes, o caso do Lehman pareceu uma exceção. Procuradores federais em Manhattan, Brooklyn e Nova Jersey, além do FBI e da SEC, lotaram o Lehman nos dias depois do colapso. A equipe de oito pessoas da SEC incluía advogados e contabilistas experimentados, vários dos quais estavam dedicados exclusivamente ao caso Lehman.

Altos executivos do Lehman chegaram a temer. Um deles, que falou em condição de anonimato, diz ter encontrou certa vez com um ex-colega no Queens que usava um disfarce para não chamar a atenção.

Àquela época, não faltavam pistas para as autoridades. Procuradores federais dividiram o trabalho – procuradores em Nova Jersey lidavam com a questão sobre se o Lehman havia defraudado o fundo de pensão estatal – embora se sobrepusessem na maioria das investigações.

Os procuradores e a SEC, por exemplo, ambos focaram em se os executivos do Lehman enganaram os acionistas oferecendo avaliações otimistas sobre o banco cinco dias antes de ele quebrar. As autoridades também investigaram se os executivos do Lehman supervalorizaram o portifólio imobiliário comercial do banco.

Manipulação de balanço
        Bart McDade, do Lehman: Fuld tinha conhecimento da 'manipulação de balanço'.

Mas foram as práticas contábeis do Lehman que provavelmente chamaram mais a atenção. Em seu relatório sobre a falência do Lehamn, de mais de 2,2 mil páginas, Valukas – o analista da corte de falências – identificou manobras contábeis que ele chamou de “manipulação de balanço”.

A prática permitiu que o Lehman transferisse ativos para fora do balanço, apresentando-os como colaterais para um credor externo, que por sua vez oferecia ao Lehman um empréstimo de curto prazo. O Lehman tratava as transações como vendas em vez de dívida, o que significou que o banco parecia ter menos dívidas do que de fato tinha.

“Incapaz de encontrar um escritório de advocacia nos Estados Unidos” que aprovasse a manobra, disse Valukas, o Lehman contratou um de Londres para conseguir a bênção para a operação. Um executivo do Lehman, num e-mail a um colega, declarou que a prática era “outra droga” em que estavam viciados.

O Lehman usou a prática, conhecida como Repo 105, recorrentemente, no fim de seus trimestres fiscais, pouco antes de publicar os resultados. No fim do primeiro trimestre de 2008, o uso total da Repo 105 era de US$ 49,1 bilhão, um valor tão elevado que reduziu o nível de alavancagem do Lehman.

O banco chamou a atenção para a redução numa conferência pública sobre rendimentos mas nunca demonstrou que isso ocorreu em parte por causa do Repo 105. Assim, Valukas preparou possíveis ações civis contra Fuld e diretores financeiros do banco, incluindo Erin Callan, que era a presidente financeira durante boa parte do ano em que o Lehman faliu. Fuld, Valukas disse, foi "ao menos muito negligente" por permitir que o Lehman fizesse declarações "materialmente enganosas" sobre a saúde do banco. 

Mapa das investigações
       Nos EUA, a crise financeira prejudicou os pagamentos de hipotecas da população.

O relatório de Valukas, divulgado em março de 2010, pareceu oferecer o mapa para a investigação federal contra os executivos do Lehman. Mas logo depois de sua publicação, de acordo com oficiais envolvidos na investigação, procuradores e o FBI perderam interesse no caso. Eles descobriram que a Repo 105 não tinha nada a ver com a queda do Lehman e era tecnicamente permitida sob uma regra contabilística obscura.

Ressaltando que advogados de Londres haviam aprovado a Repo 105, procuradoes em Nova York também temeram não poder provar que os executivos tiveram a intenção de enganar os investidores.

A SEC continuou a investigação. Mas, no começo de 2011, a equipe de Canellos tinha ficado sem pistas. O grupo desistiu de processar o próprio Lehman, porque a empresa estava em concordata. A equipe também decidiu não processar Fuld por falha de supervisão da tomada de risco do banco, acreditando que a SEC não tinha autoridade para fazê-lo.

Os investigadores decidiram, então, focar na Repo 105. Eles precisavam provar que os executivos do Lehman usaram intencionalmente a prática de contabilidade para enganar os investidores, ou fizeram uso irresponsável dela. Erin estava no cargo de presidente financeira havia apenas cerca de seis meses, concluíram os investigadores. Ela recusou os pedidos de entrevista.

O papel de Fuld foi mais difícil de mapear. Bart H. McDade, outro executivo do Lehman, disse a Valukas que Fuld "tinha conhecimento do termo" Repo 105 e "sabia sobre a contabilidade". Mas Fuld disse à SEC que ele nunca havia ouvido sobre a Repo 105, dizem oficiais, minando um potencial processo. Um advogado de Fuld se negou a comentar.

A equipe da SEC também concluiu que a Repo 105 não teria sido "material" para investidores porque a taxa de alavancagem do banco estava em queda independentemente da Repo 105. Tal conclusão lançou uma onda de desentendimentos entre altos contabilistas da SEC. A chefe da unidade que supervisionava as divulgações de informações corporativas questionou as conclusões.

Mary Schapiro exigiu que Canellos continuasse investigando. Mas Canellos, um ex-procurador federal que é agora chefe adjunto da unidade de fiscalização da unidade, não se moveu. Apesar da pressão política, ele disse a colegas, em um dos encontros, que não poderia processar ninguém se faltassem indícios. 

"Nosso trabalho é buscar a Justiça", disse ele.

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