28 de novembro de 2013

Ford fecha fábrica e ameaça economia de pequena cidade belga

Circulavam há meses os boatos de corte de empregos na grande fábrica da Ford na cidade decadente de Genk, Bélgica, que dependeu durante décadas da extração de carvão. Porém, em uma manhã ensolarada há um ano, quase ninguém esperava o que aconteceria na cidade cidade de 65 mil habitantes.
Marianna Musulino, co-proprietária de uma lanchonete perto da fábrica, em Genk: clientes passaram a economizar nos pedidos.

Convocados a uma reunião dentro da fábrica, representantes dos trabalhadores começaram a mandar torpedos antes mesmo de os executivos da Ford terminarem de ler um comunicado conciso. A Ford decidira fechar Genk para sempre. A fábrica, que empregava 4.300 pessoas, produziria seu último automóvel no final de 2014.

A batalha de Genk havia começado. E ela se tornaria um estudo de caso de como pode ser difícil para uma montadora cortar a capacidade de fabricação na Europa, mesmo quando o mercado automobilístico nessa parte do mundo está no ponto mais baixo em duas décadas.


Representantes do sindicato usaram megafones para espalhar a notícia sombria para os trabalhadores de plantão durante o anúncio. Algumas pessoas choraram. Outros fizeram barricadas nos portões da fábrica, prendendo aproximadamente seis mil veículos recém-construídos, de modelos como Mondeo, minivans S-Max e peruas Galaxy já vendidos – criando um congestionamento que fecharia a produção durante meses.

Os operários não iriam facilitar as coisas para a Ford. "Agora eles tinham de conversar", contou Jean Vranken, diretor regional do sindicato ACV que representa os trabalhadores da Ford em Genk.

A Ford é uma das poucas empresas a desafiar a resistência feroz de políticos e dos poderosos sindicatos europeus enquanto tenta reproduzir a redução brutal que as montadoras fizeram nos Estados Unidos – e que subsequentemente ajudou na recuperação agora em andamento do mercado automobilístico norte-americano.

Já em Genk, um ano após o anúncio, a calma que agora voltou veio a um preço alto para a empresa, seus operários e a comunidade. A Ford conseguiu fechar um acordo trabalhista que lhe permitirá fechar a fábrica, como programado, no fim do ano que vem.

O fechamento de Genk e de duas fábricas menores na Grã-Bretanha cortará a capacidade da Ford na Europa em 18% e, segundo a montadora, possibilitará a volta à lucratividade no continente, em contrapartida a perdas neste ano que já somaram US$ 1 bilhão.

Contudo, o acordo somente foi possível depois de uma longa e amarga batalha que custou US$ 750 milhões apenas para fechar um acordo com quatro mil operários de Genk (aproximadamente US$ 190 mil por cabeça).

E o custo total da reforma europeia da Ford deve ser muito maior por causa dos pagamentos adicionais aos funcionários administrativos de Genk e dos gastos para fechar as portas das fábricas em Southampton e Dagenham, Inglaterra. A Ford calculou em US$ 1 bilhão o valor das verbas rescisórias das três unidades.
Mecânico trabalha em fábrica da Ford na cidade belga de Genk: comunidade está apreensiva com fechamento da unidade.

O custo das dispensas é muito mais elevado do que nos EUA, onde a Ford reservou US$ 374 milhões, em 2009, para cobrir as verbas rescisórias de 2.400 trabalhadores (US$ 155 mil por cabeça). Além disso, as leis trabalhistas europeias são muito mais favoráveis aos sindicatos do que nos Estados Unidos, e costumam apoiar os operários em sua tradição de militância. Em Genk, os operários impediram que a fábrica operasse normalmente por mais de quatro meses e receberam seguro-desemprego por parte do tempo em que agiram assim.

Segundo estimativas, as fábricas na Europa Ocidental e Oriental podem produzir entre sete e oito milhões de carros e caminhões leves que o mercado pode absorver. Muitas fábricas estão operando com somente 60% da capacidade ou menos. O excesso é o principal motivo para empresas como Ford, Fiat, a unidade Opel, da General Motors, e PSA Peugeot Citroën já terem perdido bilhões de euros na Europa nos últimos anos.


"Não foi uma decisão fácil para a Ford. Nós sabemos que isso afeta as pessoas e suas famílias. Porém, nós precisávamos fazê-lo para influenciar de forma positiva nosso futuro", disse durante entrevista telefônica Stephen Odell, CEO da Ford da Europa.

Embora a indústria automobilística tenha sido muito mais lenta em fechar fábricas na Europa do que nos EUA, ciente das dificuldades enfrentadas pela Ford, ela não é a única montadora extremamente ciente da questão do excesso de capacidade.

"A fábrica precisa funcionar a plena capacidade para ser rentável no segmento de volume", disse Pietro Boggia, ex-executivo da Fiat que agora trabalha no escritório londrino da consultoria Frost & Sullivan. "Se o nível atual da demanda de mercado não melhorar dramaticamente, infelizmente o fechamento de fábricas terá de continuar."

Despesas para a vizinhança

Contudo, para toda fábrica que o setor pode considerar um estorvo, existe uma comunidade a encarar a devastação econômica se a produção fechar. Em nenhum outro lugar isso é mais verdade do que em Genk, na porção oriental da Bélgica, província de Limburgo, a região menos próspera do norte do país onde se fala holandês.

Em Genk, muitos dos habitantes são descendentes de italianos, turcos ou marroquinos que vieram décadas atrás escavar carvão. Estima-se que dez mil empregos serão perdidos no final do ano que vem quando a Ford fechar a fábrica na cidade. Esse número inclui os trabalhadores da Ford e das empresas que dependem da unidade, de grandes fornecedoras de autopeças a pequenas empresas.

Marianna Musolino, coproprietária de um restaurante de batatas fritas em um bairro onde residem muitos operários da Ford, disse que os consumidores já começaram a reduzir os pedidos. "Eles não pegam maionese, o que é raro, mas economizam 50 centavos. Coisas estranhas assim", disse Musolino

De qualquer forma, a Ford não poderia continuar acumulando perdas na Europa. Ainda que a empresa a tenha cortado em mais da metade no último trimestre, na comparação com igual período do ano anterior, chegando a US$ 228 milhões, o total acumulado continuava a superar US$ 1 bilhão em perdas nos primeiros nove meses. Em 2012, a Ford perdeu US$ 1,8 bilhão na Europa, contabilizando o ano inteiro.

Fechar Genk dará à Ford a chance de consolidar a produção em uma fábrica em Valência, Espanha. A transferência de parte da produção para a Espanha já criou 1.300 novos empregos em uma região em situação econômica muito pior do que na área ao redor de Genk, embora a Ford tenha dito que os custos trabalhistas em Valência não sejam significativamente menores.

Quanto aos trabalhadores de Genk, a perspectiva de um futuro desempregado chega rapidamente. "É preciso encontrar algo, e rápido", disse Sandro Maurina, 36 anos, mecânico da Ford que trabalha na empresa desde os 18 anos. Como muita gente em Genk, Maurina e a esposa, Sabrina Gattanella, que têm dois filhos pequenos, são descendentes de italianos que imigraram para a região décadas atrás para trabalhar nas minas de carvão. Porém, a última mina foi fechada na década de 1980.

Sandro Maurina estuda enfermagem à noite. No entanto, diretores do sindicato e autoridades locais afirmaram temer que muitos operários da Ford ainda estejam em choque, sem saber o que fazer em dezembro de 2014. As autoridades municipais e provinciais estudam maneiras de incentivar o empreendedorismo, esperando que o governo em Bruxelas construa uma nova prisão na área, gerando 500 empregos.

Entretanto, não existe como absorver de imediato todos os novos desempregados. "Se você conhecer alguma grande empresa que gostaria de vir para cá, por favor, deixe-os vir", disse Herman Reynders, governador da província de Limburgo. "Mas eu não acho que isso irá acontecer."

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