17 de dezembro de 2013

Famílias se unem para aproveitar preços de atacarejos

Na casa de Célia Aparecida Rodrigues Oliveira, técnica de enfermagem de 39 anos, moradora de Guaianases (bairro na zona leste de São Paulo), é ela quem faz as compras. Mensalmente – às vezes até mais de uma vez no mês –, ela e o marido Valter, técnico de ar condicionado de 44 anos, vão ao supermercado.

Com ela, são oito pessoas que dividem o mesmo teto, a mesma geladeira e, é claro, a feira. São duas famílias: Valter, Célia e os três filhos e a irmã, com mais duas crianças.

Na casa da família, nada é de pouquinho: por mês, são dois pacotes de refrigerante, com seis garrafas de dois litros cada. Os produtos de limpeza vêm no galão e feijão vem com dez pacotes de um quilo. A cada mês, são quase R$ 800 em compras que, normalmente, acabam divididas entre Célia, Valter e a irmã. Nos últimos meses, as despesas com a faculdade têm deixado a irmã de fora do rateio, “mas normalmente ela ajuda”, conta.
Valter e Célia Rodrigues no Assaí Guaianases: para duas famílias, melhor comprar no atacado.

Com a lista de compras na mão, Célia faz a conta de tudo pessoalmente e não tem dúvidas que em muitos casos compensa sim fazer as compras nos chamados atacarejos – mistura entre atacado e varejo que tem como principal apelo o preço mais baixo e a venda em grandes volumes. “Compensa comprar bebidas, arroz, feijão, itens de banho. Somos muitos lá em casa, então não adianta comprar pouco”, conta. Para ela, a carne, os legumes e vegetais frescos acabam ficando fora das compras a granel, principalmente pela dificuldade de armazenamento. “Onde vou por tudo isso?”

Célia é um dos vários exemplos de consumidores finais que procuram preços mais baixos nos atacarejos. Entre dezembro de 2012 e agosto deste ano, houve um crescimento de 18,1% no volume de compras de consumidores comuns nesse tipo de supermercado, segundo pesquisa da realizada pelo instituto de pesquisa Nielsen. Nos mercados e bares, o crescimento desacelerou, para 8,7% e 7,3%, respectivamente. O tíquete médio entre as pessoas físicas aumentou em 28,5%.

A tendência desse mercado é continuar em expansão. José do Egito Frota Lopes Filho, presidente da Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores (Abad), espera um crescimento de 4% para o setor de atacado, que inclui também os chamados atacarejos. “Para algumas regiões do Brasil, como o Nordeste, o modelo ainda é uma novidade”, diz. “Ainda tem espaço para crescimento, especialmente nas cidades com mais 150 mil habitantes, que são prioritárias para as redes.”
Patrícia (à esq.) e a filha Emily aproveitam os pacotes menores, mas evita comprar "de montão".

Cliente adaptado à loja – e vice-versa

Entre os principais atrativos desse tipo de loja está a economia, tanto de tempo como de dinheiro. A dona de casa e auxiliar de lavanderia Patrícia Jesus Pinheiro Matos, de 36 anos, não está errada quando vê um “preço mais em conta” mesmo quando as compras não são em larga escala. Na maior parte dos produtos, o desconto é de pouco mais de 10% frente aos mercados tradicionais, segundo a pesquisa da Nielsen.

Patrícia aproveita os descontos de conjuntos menores e abre mão das grandes quantidades quando a sua expectativa de consumo é menor que o pacote. No Roldão, o esforço tem sido para elaboração de pacotes com menos unidades, garantindo assim o desconto de atacado em uma quantidade de produto plausível para famílias menores. “Os produtos de giro mais baixo, como desodorantes, cremes dentais, já conseguimos empacotar três ou quatro unidades com desconto”, diz Artur Raposo, diretor comercial e de logística da rede.

Atualmente, a rede atende a cerca de 1,1 milhão de clientes dos quais 45% são pessoas físicas – os pequenos estabelecimentos somam os 55% restantes, sendo assim principal alvo da rede. “Nosso foco sempre foram os distribuidores e transformadores, mas o crescimento do público pessoa física nos levou a pensar em novas formas de empacotar o produto”, explica Raposo. “Já chegamos a ter um público com 80% de pessoas jurídicas.”


O Roldão espera um crescimento de 16% a 18% para mesmas lojas neste ano – se consideradas as novas lojas, o crescimento deverá chegar a 30%, com um faturamento de R$ 1,6 bilhão. "Esse ano vai ser muito bom ainda", diz Raposo. Segundo ele, 2012 foi um ano "fantástico", com alta de 20% no faturamento. 

Para este final de ano, os movimento deve aumentar. Em dezembro, as vendas chegam a pular 40% com relação a novembro. O mesmo crescimento acontece no período de Páscoa.

Comunhão de classes emergentes

A rede Assaí tem visto um claro crescimento no seu perfil de público pessoas físicas, principalmente das famílias e amigos que vão juntos às compras para dividir os grandes pacotes e também os descontos. O grupo espera expandir a rede em mais sete Estados – foram 12 lojas abertas já neste ano, com mais duas previstas para este dezembro.
       Loja do Assaí, em Guaianases: negócio que mistura atacado e varejo está em alta.

Funcionário da loja Assaí Guaianases ainda não consegue quantificar o aumento nesse perfil de clientes mas, pelo dia a dia, percebe com clareza esse hábito do compartilhamento. “Eles vêm juntos, compartilham os pacotes com parentes e vizinhos”, diz o funcionário. Dos 75 mil clientes que a loja recebe mensalmente, aproximadamente 70% são consumidores finais. “Eles acabam vindo muito influenciados pelos conhecidos que também já adotaram esse modelo de compra.”

Em estudo recente conduzido por José Augusto Proença, professor de Ciências Aplicadas ao Varejo na ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), essa percepção ficou ainda mais clara. Ao buscarem a funcionalidade dos tradicionais jornais de oferta, notaram que era freqüente o número de motoboys que passavam o dia inteiro recolhendo essas ofertas e juntos decidiam onde comprar o quê. “As pessoas começam a perceber uma certa oscilação de preços, então vão em busca de melhores opções.”

Educação para o consumo

Todo esse esforço, infelizmente, não tem a ver com consumo consciente ou educação financeira. Segundo Proença, trata-se de um primeiro passo na educação para o consumo, uma vez que ele escolhe gastar o mínimo possível com as compras mensais para investir em outras aquisições.

Um dos primeiros alvos desse público é o plano de banda larga, o smartphone, o tablet, entre outros itens de conectividade. “A popularização desses serviços acabou criando uma nova demanda de consumo para um salário que não aumentou na mesma proporção”, explica Proença. “Para poder consumir os desejos novos, ele terá de reduzir os gastos em outros produtos.”

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